2005/10/30

Sumo de laranja

Em resposta a um desafio colocado em Voz Em Fuga, aqui vai o meu contributo:

Porque estás triste? Não te dei já o sumo de laranja que querias?

Deste, deste. Mas quando te pedi sumo de laranja, sabias que não era sumo que eu queria. Ou devias ter sabido.
Quando te pedi um sumo de laranja queria que me desses de novo o primeiro momento, aquele em que te falei de laranjas e te debruçaste então sobre mim, para me dizeres que eu não iria precisar delas porque te tinha a ti. Para sempre.
Eu devia ter percebido que tu não eras pessoa que entendesse meias palavras. Eras demasiado lógico, demasiado frio, nunca percebeste o que estava para além do que te dizia. E, no entanto, amava-te.
Agora, quando te pedi um sumo de laranja, o que eu queria era que voltasses a ser como no primeiro dia, e me fizesses esquecer o sumo porque tu estavas ali e nada mais era importante.
Estou triste, sim, porque tu não percebeste e eu percebi que tu já não és meu.

2005/10/27

Diz qualquer coisa que eu te sinta!

O dia de te dizer isto ainda não chegou, porque ainda não sei quem és, ou talvez saiba e tu não, ou antes pelo contrário. Podemos ter-nos desencontrado por qualquer motivo, ou encontrado sem saber ainda que éramos um nós. E embora eu não saiba quem tu és, quero dizer-te já o que sinto por ti:

Amo como o amor ama.
Não sei razão para amar-te mais que amar-te.
Que queres que diga mais que te amo,
Se o que quero dizer-te é que te amo?
Não procures no meu coração...

(...)

Se te vejo, não sei quem sou: eu amo
Se me faltas, (...)

Quando te vi, amei-te já muito antes.
Tornei a achar-te quando te encontrei.
Nasci para ti antes de haver o mundo.
Não há coisa feliz ou hora alegre
Que eu tenha tido pela vida fora,
Que não fosse porque te previa,
Porque dormias nela tu futuro,
E com essas alegrias e esse prazer
Eu viria depois a amar-te. Quando,
Criança, eu brincava a ter marido
Me faltava crescer e o não sentia
O que me satisfazia eras já tu,
E eu soube-o só depois, quando te vi,
E tive para mim melhor sentido,
E o meu passado foi como uma estrada
Iluminada pela frente, quando
O carro com lanternas vira a curva
Do caminho e já a noite é toda humana.

Tens um segredo? Diz-mo, que eu sei tudo
De ti, quando mo digas com a alma.
Em palavras estranhas que m'o fales
Eu compreenderei só porque te amo.
Se o teu segredo é triste, eu saberei
Chorar contigo até que o esqueças todo.
Se não o podes dizer, diz que me amas,
E eu sentirei sem querer o teu segredo.

Amor, diz qualquer coisa que eu te sinta!

Este excerto de Fausto Fernando Fragmentos, adaptado de F. Pessoa, é dedicado à pessoa que eu vier a amar.

2005/10/26

Brainless

Li em TalvezTeEscreva a seguinte definição maquiavélica:

"Há três espécies de cérebros: uns entendem por si próprios; os outros discernem o que os primeiros entendem; e os terceiros não entendem nem por si próprios nem pelos outros; os primeiros são excelentíssimos; os segundos excelentes; e os terceiros totalmente inúteis." [Maquiavel]

Já que não me arrogo pertencer à primeira categoria, e julgo não fazer parte da terceira, é lógico que me inclua na segunda. Ora, estou sem saber o que fazer, pois há quem julgue que eu devesse saber menos, ou então esconder que sei. Mas se lhes sou útil quando precisam, porquê exigir que eu seja inútil? Uma solução possível será, talvez, passar a fingir que não sei e perguntar a quem sabe. Como faço sempre que não sei. Aceitam-se sugestões, de quem entender melhor que eu. Há por aí algum cérebro excelentíssimo?

2005/10/21

Dear God - II



Às vezes, passamos uma vida inteira a sonhar com isto ou com aquilo, esperando que alguma entidade divina no-lo conceda, mas a verdade é que, como diz a minha mãe, quem quer faz, quem não quer manda. Só assim temos a certeza de que o que obtemos é o que queremos.

2005/10/17

O beijo

Era a primeira vez que se viam. Conheceram-se num chat e tinham começado a amar as palavras um do outro, sem que nunca se tivessem visto ou ouvido. Milhares de palavras passaram por aquela janela, um confessionário dos sentimentos mais profundos que viviam, dia a dia, partilhados noite após noite na solidão que cada um preservava com empenho.
Ela era transparente, revelava-se toda sem reticências em cada ponto, cada vírgula, cada expressão de cada vez maior entrega àquele companheiro das suas noites. Ele, por outro lado, escondia-se atrás de uma máscara de dor por ele criada, uma barreira que ele queria que fosse impossível de ultrapassar.
Ao longo do Verão, ela foi-se entregando àquele ser, talvez real, talvez não, que surgia do nada quase todas as noites, andando às voltas em torno de uma relação que umas vezes parecia possível, outras menos. E ele entregava-se também, para fugir logo no dia seguinte.
E agora, frente a frente, descobriam finalmente quem era a pessoa do outro lado, a imagem verdadeira daquele ser que tinham vindo a imaginar. Ela, igual ao que tinha descrito, talvez um pouco mais magra do que ele imaginava; ele, completamente diferente da visão que ela tinha criado daquele seu grande amor – mais baixo, parecendo mais novo que a idade que tinha.
Sem o escudo protector de um ecrã e um teclado, ficaram sem palavras, eles que as respiravam. E sentiram que ali, ao vivo, não conseguiriam manter viva aquela relação. Tinham quebrado o laço criado pela imaginação. Restava-lhes despedirem-se, porque a partir dali já não conseguiriam ser os mesmos, já não falariam num sonho mas sim numa realidade que não queriam ver.
Olhou-o nos olhos, uma última vez, e sem que ele pudesse fazer nada, beijou-o como tantas vezes tinha imaginado fazê-lo. Um primeiro e último beijo, para fechar o ciclo da sua redescoberta.
Pediu-lhe para esperar, tirou uma folha de papel da mala e escreveu qualquer coisa, que lhe entregou depois de dobrar. Ele abriu o recado e leu a mensagem, como sempre tinha lido as palavras dela. “Adeus, meu amor.”

2005/10/14

Arquivo Morto - Manel

O Manel foi uma paixão fugaz, tão fugaz, que foi como veio. E a forma como foi é a única razão para estar aqui. Aos 20 anos, o Manel decidiu escolher a morte como solução para o que quer que fosse que o atormentava. A notícia apanhou-me de chofre, já não o via há muito. Durante uns tempos, continuei a vê-lo ao virar da esquina, a esperar que aparecesse, possivelmente porque não conseguia aceitar a decisão dele.

Decidi, então, que acontecesse o que acontecesse, eu nunca cederia ao desejo de encontrar a paz num local desconhecido. Até porque, ao deixar tudo por resolver, não sei se conseguiria descansar.

Desististe tão cedo, Manel. Se um dia nos encontrarmos, nalgum lugar, havemos de ter uma conversa.

2005/10/11

Dear God - I

Recebi, da Cláudia, que recebeu do Nuno, que recebeu de... um e-mail com cartas de crianças a Deus, e acho que são de partilhar.



Quando somos crianças, e mesmo jovens, os sentimentos são mais sinceros, mais... como dizer, agudos, radicais... amamos o Rei Leão, o Aladino, o cantor X e a actriz Y com todas as nossas forças, ao mesmo tempo que odiamos também a professora de português e o colega da carteira da frente, que usa cábulas e dá graxa aos professores. À medida que crescemos, tornamo-nos cada vez mais tolerantes para com tudo. Pelo menos, é o que tem acontecido comigo. De qualquer modo, se reencarnar, também não quero ser aquela "Jennifer" que me fez a vida negra. Quero ser eu outra vez.

2005/10/08

Arquivo Morto - Carlos

Carlos. Voltar à Rua do Sacramento não podia deixar de me fazer lembrar dele. O Carlos, que provocou a segunda grande mudança na minha vida. Meia dúzia de palavras e a miúda de estilo indefinido, um pouco a atirar para o beto, passou a ser uma jovem moderninha que só vestia de preto e frequentava o Bairro Alto. Eu era caloira, ele estava a repetir o primeiro ano, e para mim, ser notada por alguém mais velho e tão popular, foi a melhor coisa que podia ter acontecido.
Seguiram-se dois anos, quase três, de tão grande cumplicidade, que toda a gente, incluindo professores, assumia que namorávamos. O que nunca aconteceu. No entanto, não deixámos de cair em tentação várias vezes para, no dia seguinte, fazermos de conta que nada se tinha passado. Junto dele, sentia-me importante, especial, diferente de todas as outras.
Eu acabei o curso no tempo previsto e o Carlos, mais uma vez, ficou a repetir o ano. Ainda nos vimos algumas vezes depois, mas acabámos irremediavelmente por nos afastar. Há alguns anos, num encontro de amigos da altura, vi-o novamente, o mesmo de sempre, mas já nada dizíamos um ao outro. No entanto, quando entrei hoje na Rua do Sacramento, vi-me nitidamente a entrar com ele, enquanto nos cruzávamos com o sorriso cúmplice de uma professora comum.

Regresso as Aulas

Hoje, voltei à escola. E não foi a uma escola qualquer, foi àquela onde fui mais feliz. Aquelas instalações estavam, supostamente, já fechadas, e as aulas iriam ter lugar num sítio mais bonito, mais acessível, com melhores condições. Mas como não há coincidências, acabei por ir parar ao sítio do costume, de onde saí há 18 anos com um diploma na mão, para uma última despedida.
Devido a uma série de contratempos, já estava atrasada, irritada, pronta a discutir e disparatar. Mas quando entrei aquela porta, a emoção tomou conta de mim e, eu que não sou nada dessas coisas, comecei a chorar enquanto subia as escadas. Ao contrário do primeiro dia de aulas, há muitos anos, em que tudo era novo e desconhecido, desta vez, aquele átrio tinha muitas histórias para recordar. O bar estava fechado, não pude ir ao jardim, mas ainda consegui espreitar para a sala onde tive a primeira aula, no segundo andar.
Afinal, o curso não começou, nem sei se irá começar alguma vez, mas, aparentemente, tudo se conjugou para eu ir uma última vez àquele sítio. Porque hoje foi, exactamente, o último dia em que ele funcionou como escola.
Adeus, Rua do Sacramento à Lapa, 16.

2005/10/07

Eu queria ser ilunga

Ilunga é uma palavra de uma língua falada na República Democrática do Congo e, aparentemente, a palavra de mais difícil tradução em todo o mundo. Descreve aquela pessoa que está disposta a perdoar qualquer abuso pela primeira vez, a tolerá-lo uma segunda, mas nunca uma terceira. Ora, eu queria ser assim, mas não consigo. Caio à primeira, à segunda desconfio, mas caio, à terceira volto a cair, à quarta já se sabe que acontece o mesmo e por aí fora, numa sucessão de quedas que não matam mas moem.
O pior de tudo é que eu sei perfeitamente por que é que isto acontece - é apenas porque eu nunca sei o motivo da queda. Ando para ali, vou tropeçando em mal-entendidos, até que enfio o pé numa desilusão e lá vou eu. O verdadeiro problema é que acabo sempre por continuar a não olhar bem para onde ando, de tão iludida que estou com alguma felicidade que possa sentir. E, depois de cair, levanto-me e esqueço-me de perguntar por que motivo me passaram essa rasteira.
Depois de tanta nódoa negra, eu já só queria ser ilunga.

A Vida ao Contrário

"A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás para a frente. Nós deveríamos morrer primeiro, livrarmo-nos logo disso. A seguir viver num asilo, até ser corrido para fora de lá por estar muito novo. Ganhar um relógio de ouro e ir trabalhar. Então, trabalhar 40 anos até ficar novo o bastante para poder aproveitar a reforma. Aí curtir tudo, beber bastante álcool, fazer festas e preparar-se para a faculdade. Passar para o colégio, ter várias namoradas, voltar a ser criança, não ter nenhuma responsabilidade, tornar-se um bebezinho de colo, voltar para o útero da mãe, passar os seus últimos nove meses de vida flutuando.... E terminar tudo com um óptimo orgasmo!!! Não seria perfeito?"
Charlie Chaplin

Eu já conhecia, mas recebi hoje por mail da Mipê e lembrei-me de partilhar. Seria bom, mesmo. Grande Chaplin.