2005/06/23

Viver sozinha

Praticamente todas as minhas amigas são casadas. Aliás, já só uma delas se mantém solteira, e por convicção. Todas as outras cumpriram o plano: curso, emprego, casamento, filhos. E, salvo algumas honrosas excepções, todas se queixam. Quando nos encontramos, que são poucas as vezes, levo invariavelmente com a conversa do “tu é que estás bem”, “não tens que os aturar”, “não te dão trabalho”, e por aí fora, num imenso desenrolar de insatisfações. Ora é o levantar cedo, as camisas para passar, o tempo que se leva a arranjar os meninos… Deixei de ouvir, porque acabo por ter que dar uma resposta menos bonita. Se elas soubessem o que é:

· Não ser convidado – porque não sou um casal e toda a gente sabe que casais só saiem com casais, mesmo que levem os meninos atrás (não se preocupem, porque para ouvir queixas, não vale a pena).
· Não poder ir jantar fora – porque jantar fora sozinha não tem piada nenhuma e não temos ninguém para partilhar a entrada.
· Não ter que fazer o jantar – enganam-se, porque tenho que fazer o jantar, tal como elas, e custa-me não partilhar aquilo que me dá tanto gosto fazer.
· Ter que almoçar e jantar sozinha ao fim-de-semana – quando o que me apetece é mesmo preparar qualquer coisa de especial, que acaba por chegar para quatro e servir de refeição durante o resto da semana.
· Não fazer planos de férias – porque dependo sempre de alguém que, por seu lado, acaba por já ter planos com outras pessoas e não sabe ou não se eu me encaixo.
· Não viajar – porque o suplemento single acaba com os planos de qualquer um e nenhuma mulher no seu juizo perfeito vai sozinha para certos sítios.
· Ter que pagar as despesas todas sozinha – quando acabamos por ter as mesmas coisas que “um casal” tem, a dividir por um.
· Ter que ser o homem da casa – e encher os pneus ao carro, lavá-lo, pôr gasolina, falar com o mecânico que acha que não percebemos nada daquilo, ter que mudar lâmpadas, fazer furos nas paredes e todas as tarefas normalmente executadas pelo (supostamente) elemento mais forte e apto da família.
· Não poder comprar certas coisas – porque vem tudo em tamanho familiar e ou apanho uma overdose de queijo da serra, ou o deito fora ao fim de algum tempo porque se estragou ou, ainda, tenho que convidar os amigos para o comerem (e um queijo da serra não chega para fazer uma festa).
· Ter que abrir garrafas de vinho – porque odeio tocar na cortiça da rolha.
· Não ter quem me vá buscar uma bebida – para não ter que enfrentar a multidão junto ao balcão quando há bar aberto.
· Não ter quem me ponha creme nas costas – porque, na praia ou em casa, há sítios a que ninguém chega, a não ser que seja contorcionista ou invertebrado.
· Não ter quem me faça uma massagem – quando chego a casa extremamente cansada e preciso de relaxar.
· Não ter quem me traga um presente – apenas porque lhe apeteceu agradar-me, nem flores, porque se lembrou de mim.
· Não ter quem olhe para trás à minha procura – quando me atraso, porque ando mais devagar ou porque aconteceu outra coisa qualquer.
· Finalmente, ter a cama toda para mim – porque há coisas que só se fazem mesmo a dois.

Enfim, eu sei que posso fazer o que quero quando quero, ser dona e senhora do comando do televisor, ver futebol apenas se me apetecer, ou ver a novela se não me apetecer pensar, escolher os filmes, as séries e tudo o resto na minha vida, sem pedir a opinião de mais ninguém, usar o meu ordenado para comprar o que quiser, e que não tenho vinte camisas de fato para lavar e passar, nem pêlos e meias sujas no chão da casa-de-banho, nem meninos para vestir e levar à escola a horas, assim como todas as vantagens que possam pensar que tem, mas trocava tudo isto por uma companhia, ao fim do dia, para partilhar o bom e o mau.

Desculpem lá, e façam-me o favor de pensar melhor no que dizem, antes de o dizer. E aproveitem, aproveitem bem, a sorte que têm.

2005/06/04

Um dia destes, antes que seja tarde

Um dia destes, vou deixar de acreditar no bem. Vou deixar de acreditar no humor como remédio para todos os males. Vou deixar de perdoar os erros dos outros. Principalmente dos que não conheço.
Acredito em boas intenções. Acredito, sobretudo, nos meus amigos. Acredito quando querem o meu bem, e acredito que há vezes em que lhes apetece querer-me mal. Acredito em perdoar, em rir, em ter prazer, em saber chorar, em ter raiva quando é preciso, em amar quem e quando nos apetece. Mas não acredito em ilusões.
Concordei, há dias, em entrar numa brincadeira. Que não era mais que isso, e não era para levar a sério. Mas, eventualmente, escolhi mal as palavras, e o jogo acabou sem ter começado. O resultado disto é que alguém ficou magoado, sem necessidade.
Um dia destes, quando deixar de acreditar no bem, e quando o humor já não me consolar, eu passarei a ser arrogante, desconfiada e terei que assumir, de uma vez por todas, que tenho medo dos outros.

2005/06/02

Bons ares

De início, quando comecei esta página, não queria recorrer a citações. Mas não resisti a incluir a seguinte aqui, pois este excerto está, de certo modo, por trás de tudo o que me levou a dar o nome a este blog.
Saiu de um livro, que li há muito tempo, escrito por Anita Brookner em 1981. Em “Olhem para mim”, a personagem principal é uma bibliotecária orfã, sem qualquer característica de beleza que a diferencie dos demais e que, devido à sua suposta insignificância, está destinada a ficar sozinha para sempre. Ao observar o homem por quem se apaixona, e a mulher que acaba por conquistá-lo, ela reflecte assim:

“(…) já reparei que homens muitíssimo simpáticos, e mulheres muitíssimo belas, exercem sobre os outros um poder que eles próprios não têm necessidade, ou tempo, de analisar. Pessoas como o Nick atraem admiradores, adeptos, seguidores. Também atraem pessoas como eu: observadores. Nunca se está bem à vontade com essa gente, porque são como soberanos e é preciso diverti-los. Facetas como o valor ou o mérito raramente recebem grande atenção da sua parte, porque, com o poder de escolha que a sua aparência lhes confere, podem mudar de ideias sempre que lhes dê na cabeça. Devido ao seu largo âmbito de possibilidades, o leque da sua atenção é muito limitado. E a sua beleza acostumou-os a uma gratificação contínua.”