2005/05/24

O espelho magico

No mundo das ilusões

Entrar numa sala de chat é como olharmo-nos num espelho mágico. Ali, libertamos-nos e somos deuses e deusas, confessamos todos os nossos desejos mais íntimos, os nossos sonhos mais bem guardados e libertamos as nossas perversões, escondidos por trás do ecrã. Ali, não temos rosto, isto é, o nosso verdadeiro rosto, enquanto que o nosso corpo se transforma adaptando-se aos sonhos, nossos e alheios. Quando me perguntam como sou, acho graça responder que sou linda, escultural, para lá de “boa”, quando a realidade é outra qualquer.
Mas às vezes encontramos pessoas a quem não nos apetece mentir, a quem só queremos dar a conhecer o nosso verdadeiro eu, porque precisamos que nos aceitem como somos. E então, quando somos bem recebidos do outro lado, mesmo que esse outro esteja a mentir, ficamos felizes porque nos escutaram, compreenderam, pareceram amar.
Há dias em que, porque o espelho não funciona ou não encontramos o outro no sítio do costume, entramos em desespero, porque estamos viciados naquele “amour fou”, naquele anti-depressivo electrónico que nos dá mais fôlego para continuar a suportar o dia-a-dia. Então, esquecemo-nos de que aquele mundo é virtual e vivemos aquela situação como se o nosso grande amor nos tivesse abandonado – choramos, sofremos, enviamos e-mails, procurando uma resposta de meia em meia hora. Quando esta não vem, é o desespero. É como se a ligação caísse, e perdêssemos o número para sempre. É um vazio que fica, no lugar da pessoa que nos fazia companhia noite após noite, antes de ir dormir, para sonhar melhor.
Depois, acordamos e voltamos a tentar, olhando para o espelho com novos olhos e, quem sabe, uma nova fantasia.

2005/05/22

O Benfica ganhou

Mas eu sou do Sporting

Já que não somos capazes, que a nossa equipa o seja por nós. O orgulho nacional é feito de futebol. Não nos esmeramos a trabalhar, não nos alegramos com as conquistas da empresa que nos permite ganhar o dinheiro de que precisamos para viver porque, afinal, trabalhamos para os patrões e não para nós, chegamos tarde, saímos cedo e aguentamos mal o frete que é aturar o chefe. Apenas porque é chefe, e ainda por cima é de outro clube. Agora, quando o assunto é futebol, a disponibilidade é total. Pomos bandeiras à janela, chegamos a horas de ver o jogo na televisão ou, ainda melhor, vamos mais cedo para o estádio para não apanhar a confusão de última hora. Queixamo-nos de que a gasolina está cara por causa dos impostos, mas lá vamos nós dar voltas à rotunda, porque o nosso clube ganhou, Agora, quando se trata de apoiar o nosso país, ficamos em casa. Até porque lá fora se vive muito melhor. Lá, trabalhamos com esforço em empregos que não aceitaríamos no nosso país, pagamos impostos, resignamo-nos a levar uma vidinha básica, sem luxos, sem jantares em restaurantes da moda, para juntar os tostões que darão para comprar o carro de luxo para vir à terra ou construir a vivenda no terreno que herdámos, mostrando assim o bem sucedidos que somos. É este, infelizmente, o país que temos. E, aparentemente, a continuar assim, é aquele que merecemos.

2005/05/13

A modelo e o futebolista

Ou uma relação impossível

Então não querem lá ver que a modelo X está grávida do futebolista Y? Que é que ela faz com um homem daqueles? Parece mentira.
Bem, para começar, pela gravidez já se sabe o que ela faz com o futebolista. O resto, é com eles.
Parece lugar comum, mas o amor é cego, surdo e aquelas coisas todas que se dizem. Além disso, se a questão é o nível académico, eles andaram na mesma universidade, aquela em que se aprende a usar os atributos físicos para ganhar dinheiro. Ele, usa as pernas; ela, enfim, é ela.
E mesmo que só seja bom enquanto dure, ninguém tem que julgar a decisão da princesa em relação ao sapo que afinal não era um príncipe.
Porque histórias de princesas e príncipes, são mesmo só isso. Histórias.

Ovelha negra

Quando lhe perguntei por que é que não me tinha convidado, respondeu-me, mais uma vez, que julgava que eu não queria ir, porque não gostava de ir para aqueles lados. E, mais uma vez, fiquei sem saber se era verdade, se era uma desculpa esfarrapada, apressada.
Mas isso agora não interessa nada. O que conta é a atitude de julgarmos pelos outros, julgar os outros, pensar pelos outros. Sem nos lembrarmos de que eles gostam de ser consultados, inquiridos, de ter voto na matéria. Quanto mais não seja para se sentirem minimamente relevantes.
O que acontece, hoje em dia, é que nem temos tempo para pensar nos outros. Fazemos e pronto. À primeira recusa a um convite, é assumido que não queremos voltar a ser convidados. Se não acompanhamos o rebanho duas ou três vezes, ele acaba por sair para o pasto sem nada nos dizer. E acabamos por ser votados a um exílio forçado, apenas porque os outros “julgam” que não estamos interessados na sua companhia. Então, entra-se num ciclo vicioso: eles não convidam e eu, educada, não me faço convidada.
É assim que começam as histórias de solidão e depressão: quanto mais em baixo estamos, menos somos procurados. E quanto menos somos procurados, mais sós e deprimidos ficamos. O que é deprimente. E solitário.