2006/03/31

Já passaram mais 24 horas

Nem pareceu. Eles passam cada vez mais depressa. Não dou por eles, no meio deste não acontecer nada de novo. Sai-se de casa, faz-se o mesmo caminho de sempre, tão de sempre que já nem se repara nos sítios por onde se passa, entra-se a porta, diz-se bom dia à Manela, vai-se à máquina do café tirar o curto de sempre e sobe-se. Depois, é trabalho para cá, trabalho para lá, dois dedos de conversa aqui, almoço, a tarde igual à manhã, e sai-se. De novo, o regresso, à tarde às vezes pelo Monsanto, que aquele verde todo faz bem e foge-se ao trânsito. Chegar a casa, jantar, ver televisão e vir para aqui deixar umas letras espalhadas num fundo escuro. Hoje ainda houve uns desvios necessários, que cortaram ainda o tempo ainda mais ao meio, e um telefonema que trouxe alguma luz, mas de resto, foi a rotina. Tenho que a expulsar da minha vida, ai tenho tenho. E já só faltam 27 dias.

2006/03/30

28

Só para marcar o dia (que até já acabou), que a inspiração perdeu-se-me numa conversa de há pouco.

2006/03/28

Já passou

Foi só o primeiro impacte. A verdade é que me sinto tudo menos com quase (até receio dizê-lo) 40 anos. E não me sinto dessa idade porque considero que não vivi tudo o que queria ter vivido já. Por exemplo, um grande amor, daqueles de loucuras, de fugas, de mentiras esfarrapadas, de vontade de dar a vida por alguém.

E sempre por medo. Sempre aquele receio de não atingir a perfeição, sempre aquele retrair-me em função dos outros. Sempre aquele calar as vontades, desistir a meio, não lutar por achar que ainda não era daquela que valia a pena.

E agora, agora vem o medo de já não conseguir fazer. Primeiro, é o corpo que deixa de ser o mesmo. Não no aspecto, mas na vontade, na resistência, na energia. Depois são os outros que dizem que agora já não posso isto, já não posso aquilo. E a revolta, porque eu sei que posso, mesmo que me achem ridícula.

Até porque tenho chegado sempre atrasada à vida. Para começar, eu deveria ter nascido em Março, não em Abril. Mas atrasei-me, não sou de pressas. A minha adolescência começou aos 15, dois anos mais tarde que o estipulado, e durou até bastante tempo depois dos 20.

A 29 dias do prazo quando já não há volta a dar, que os 40 correm para mim como correm os segundos de um minuto, sem darmos por eles, sinto que essa não é, de forma alguma, a minha idade. E lembro-me de uma frase (que já usei aqui) que um amigo me disse um dia: “Que idade terias se não soubesses a idade que tens?”

Por isso, ó outros, ó amantes de regras e convenções, livrem-se, a partir de agora, de me dizer “olha que já tens idade para ter juizo”.

Simplesmente, é exactamente a partir de agora que não me apetece tê-lo.

2006/03/27

Countdown

Já só faltam 30 dias. 30 dias para começar mais uma década da minha vida. Deveria sentir-me feliz por ser saudável, ter uma vida financeiramente estável, embora mediana, uma família que me ama, ambos os progenitores vivos, duas sobrinhas maravilhosas... Mas falta-me qualquer coisa.

Desde há algum tempo que me incomoda o sentimento de que fala o tal autor que tanto me inspira ultimamente, e que a seu tempo revelarei. O sentimento de "para quê". Para quê tanta correria, para quê tanto stress, para quê tudo o que fiz até hoje? Para ter casa? Para ter carro? Para ter bens? De nada me servem.

Continuo só. Sinto que o tempo se me esvai rapidamente, e que o desperdicei demasiado, por medo. Apenas por medo de falhar, de não ser perfeita.

Faltam 30 dias para se me acabar o prazo limite da juventude, como se acabam prazos de entrega de IRS. Não sou eu, são os outros. O inferno dos outros. E, sozinha, eu não estou a aguentar.

2006/03/21

“Rio-Lisboa, rio-Lisboa”

Pintem-me o cabelo de branco de algodão. Apanhem-mo atrás num carrapito feito de uma trança quase impecável, não fossem os eternamente rebeldes cabelitos espetados. À frente, uma franja perene de cabelo de bebé, que encaracola também, para desespero de qualquer cabeleireiro (e meu). E ei-la, a minha bisavó,a ti Encaracolada. Chega a ser assustador, olhar-me ao espelho e vê-la, tal e qual eu, a olhar para mim no meu reflexo.

Gertrudes foi lavadeira de Caneças, de trouxa de roupa à cabeça Calçada de Carriche acima. A pé, que os eléctricos partiam do Lumiar. “Rio-Lisboa, rio-Lisboa”, dizia o meu bisavô, pois quem a queria ver era na sua lida fora de portas. Mais tarde, foi caseira numa quinta para os lados de Sintra, e de vez em quando, ia de carroça com as netas vender cebolas a Cascais.

Quando me lembro de a conhecer, já não trabalhava, vivia em casa da minha avó e, sempre que era preciso, tomava conta de mim ou do meu irmão. Sempre que ia a Lisboa (que era, na altura, coisa digna de roupa domingueira), lá trazia da cidade uma guloseima para os netos e, quando podia, lá me costurava um vestido de bonecas.

Inteligente, aprendeu a ler sozinha para poder consultar no jornal a necrologia, não fosse ter chegado a hora de alguma amiga ou cliente. Esperta, determinada, inconformável, incansável, tanto que se poderia dizer acerca dela. No seu último ano de vida, passou uma temporada em casa dos meus pais e, apesar de isso implicar termos de partilhar o quarto, era-me indiferente. Aquela era a avó das avós e, acima de tudo, aquela era outra de mim.

Apesar de ter traços do meu pai, e algumas parecenças com a minha mãe, é com a minha bisavó Gertrudes que me pareço no geral, duas gerações depois. Há dias, voltei a vê-la no espelho, num dia em que apanhei o cabelo. Lá estavam os caracóis rebeldes, os olhos pequenos e vivos e a expressão de que me lembro tão bem. E estão também o “rio-Lisboa, rio-Lisboa”, a vontade de aprender, a determinação, o inconformismo e a minha relação com as minhas sobrinhas, que é feita dos mesmos gestos que ela tinha comigo.

2006/03/14

Era só isso

Era só isso. Um atrasar de passo, que os teus são mais longos que os meus, um parares ao pé de mim, exactamente ali, naquela esquina. E, sem eu te dizer, perceberes porquê. Tu saberes que eu não resisto ao apelo da terra, tu entenderes que eu preciso de parar para absorver as coisas, para as tornar minhas. Saberes que preciso de ir devagar para levar os cheiros, as cores, os gestos, os pormenores comigo. Tu saberes que me demoro a olhar a sombra do meu pé antes de pousar no chão, a contar com os olhos os tufos de flores rebeldes no relvado cuidado do jardim, elas que se recusam a não florir ali, e que são como eu, que não me resigno. Tu saberes qual é a minha cor de céu preferida e que é aquela do fim do dia, um azul meio turquesa, meio petróleo, e Vénus a piscar para mim, às vezes a lua já a espreitar. Tu saberes que gosto do teu braço à minha volta, e de encostar a cabeça a ti enquanto caminhamos. E tu parares comigo ali, naquela esquina, de uma rua qualquer, a sentir o primeiro cheiro da primavera num fim de tarde de Março, para o levarmos connosco para casa. A nossa casa. Era só isso, era só isso que eu queria.

2006/03/13

Vamos ver no que isto dá

Caso tenham reparado, lá “postei” eu, há dias, um daqueles testes que por aí andam em barda. Queria deixar aqui qualquer coisa, para provar que ainda por cá ando, e lá ficou aquilo. Depois, de cada vez que abria a página e olhava para ele, dava-me arrepios. Que coisa tão feia, quem se lembraria de uma tal imagem para ilustrar uma inteligência linguística? Foi por isso que o retirei, já não suportava olhar para aquilo (para além de que podem achar que sou uma tonta por acreditar naquilo, ou uma maria-vai-com-as-outras que, definitivamente, não sou).

É verdade, preocupo-me demasiado com o que os outros pensam de mim. E, como todos, gosto de elogios. Este teste, por exemplo, só veio confirmar as palavras de alguém de quem bebia as palavras e quem muito admirava, embora passasse a vida a considerar-se um chato. “És uma arquitecta das palavras”, disse-me ele numa das nossas últimas conversas. E, vindo de alguém que conhece autores que eu nunca li e queria ter lido já, foi o melhor elogio que recebi até hoje.

Depois, há a minha uxka, que me exige que escreva, pois adora ler-me. E também a Bé, que descobriu finalmente como se entra num blog, embora não saiba comentar, e que tem perdido algum do seu precioso tempo a ler-me. E um amigo de um amigo, que eu não imaginava sequer que se interessasse por isto, que se chateia comigo quando eu apago posts dos quais me arrependo por serem muito pessoais (eu prometo que volto a postá-lo numa ocasião propícia, ou quando o encontrar). E a Hipatia, o Gaivina, a Jacky, e todos os outros bloguistas que por aqui passam, parecem gostar de me ler também.

Tudo isto porque me ando a sentir mal por não escrever, por não ter nada de novo para dizer. Para começar, o trabalho leva-me grande parte das ideias diariamente. Eu bem anoto temas, ideias, frases iniciais, títulos, que depois ficam perdidos em ficheiros guardados nem sei bem onde, nem com que nome. Mas chego a casa e só me apetece não pensar. E escrever só por escrever, contar o que se passou no dia que acabou só para dizer alguma coisa, dizer umas piadas só por dizer, não é o meu estilo. Gosto de pensar, de fazer pensar, de provocar agitação, e não tenho ficado satisfeita com o que escrevo.

No entanto, há esperança. Alguém entrou na minha vida que me está a deixar com vontade de retomar a escrita. Estou a beber as palavras dele e a sentir o que ele sente. Não pretendo, de forma alguma, estar à altura de tal personalidade, com uma obra magnífica, mas que lê-lo está a puxar por mim, é uma verdade.

Vamos ver no que isto dá e, entretanto, sejam sempre bem-vindos.