2005/09/30

Arquivo Morto - Joao

Meados dos Anos 70, Serra de Monchique. Fomos buscar água à fonte e ele perguntou-me se gostava dele. Eu disse-lhe que sim, porque todos os meus sentidos já o diziam, e ele respondeu-me que também gostava de mim. Por isso, perguntou-me se queria ser a namorada dele.

Foram 4 anos em que crescemos juntos, a jogar o jogo dos sentidos. Um roçar de pele era um arrepio, um olhar profundo era um nó no estômago, na garganta, no corpo todo. Um beijo era o resto do mundo deixar de existir. Acabou, porque tinha que acabar, porque o meu orgulho e o meu ciúme assim o entenderam, e porque tinha começado a ver-me a mim própria com outros olhos.

Assisti ao casamento do João e, durante toda a cerimónia, esperei que o padre perguntasse se havia alguém que tinha alguma coisa contra aquela união. Mas ele não perguntou e eu não teria coragem. Hoje em dia, não podendo dizer que somos amigos, partilhamos ainda a cumplicidade do nosso segredo. E eu ainda espero por alguém que olhe tão dentro de mim como ele olhava, e que me faça sentir da mesma forma.

2005/09/28

Arquivo Morto - Ana

Ana, a minha irmã Ana. Era assim que eu a via, como uma irmã, de tantas coisas que tínhamos em comum. Durante a nossa adolescência, tudo girava em volta dela. Foi ela que uniu o grupo, era em casa dela que passávamos todas as tardes e, mais tarde, noites. Tudo o que dizia respeito à Ana era bom: era inteligente, bonita e as nossas mães confiavam nela, absolutamente.

A Ana era, em parte, o meu modelo, e foi depois de se tornar modelo que tudo se desmoronou. Primeiro, os novos amigos que não podiam ser nossos amigos também. Depois, o trabalho, que a ocupava totalmente. E finalmente, o Ricardo, como não podia deixar de ser.

Não é que tenha alguma coisa contra, as coisas são mesmo assim, a vida muda e com ela os amigos. Mas o que me chocou, abalou e ainda hoje me deixa perplexa, foi o modo como ela desapareceu das nossas vidas. Ninguém, até hoje, sabe qual o motivo daquele corte radical com quem a rodeava.

Às vezes, um ou outro de nós passa por ela na rua e, sem sabermos porquê, nem temos coragem de a abordar. É um mistério mal resolvido que, continuando a estar no centro das atenções, desencadeia uma série de telefonemas, até para pessoas de quem só nos lembramos nesse momento.

Talvez seja essa a função dela nas nossas vidas. Juntar-nos. A Ana sempre esteve no centro de tudo e, aparentemente, continua a estar.

2005/09/27

No Activo - Be

Há quem fale em pessoas com um coração grande, quando se quer descrever alguem muito bom, extremamente bom. Pois a Bé é toda ela um coração. Um coração gigante, que acode a todos os cantos onde estão amigos para lhes levar amor, compreensão, carinho, tudo o que eles precisem. Se for precisa aqui e ali ao mesmo tempo, lá vai ela, mesmo quando não pode mais, acudir aqui e ali, sempre a fazer correr amizade pelas veias da nossa vida.

Como não podia deixar de ser, a Bé tem um defeito, de que a acusamos constantemente: não acode a ela própria. Esquece-se de que também precisa de ser ela, de cuidar dela, de descansar... E nós não lhe acudimos porque ela não nos deixa tempo para o fazermos. Está sempre ocupada a ocupar-se dos problemas dos outros.

A Bé é uma pessoa grande, e uma grande pessoa. A Bé é a minha grande amiga, que só não está porque não pode, mas que está sempre porque eu sei que está. Afinal, ela é incapaz de não estar.

2005/09/26

Acabou-se

Finalmente acabou o Verão. Ansiava já pelos dias mais frescos, pelo recomeço de tudo. Sim, porque o Verão, apesar de toda a sua exuberância, com corpos que se mostram, sorrisos que se libertam segundo a segundo, sentidos em permanente adoração a Helios, fins de tarde e noite em esplanadas, não é mais do que o fim de um ciclo.

No Verão tudo é efémero. As férias, que começam e acabam, o bronzeado, que só dura mais umas poucas semanas, as cores vibrantes das flores que acabam por cair, as paixões que não passam mesmo disso. Acaba-se o Verão e arrumam-se os amigos sazonais na caixa das recordações, para voltar a abri-la no ano seguinte, na mesma altura. Guardam-se os sorrisos constantes porque temos que voltar à rotina. Ainda mais cansados do que partimos, porque o Verão exigiu tudo de nós.

O Outono não. Apesar de as folhas cairem, isso não é mais do que a prova que já deram tudo o que tinham para dar. Mas lá no fundo, começam já a renovar-se. E eu também. Lentamente, porque não pode ser de outra forma, inicio um novo ciclo. Reencontro os amigos de sempre, encontro conforto na minha rotina, sem cair na rotina, e descanso da estação que me roubou todas as energias. Esperando que, no fim do próximo estio, ainda me sobrem algumas.

2005/09/19

As meninas dos meus olhos - II



É o sorriso mais bonito do mundo, o sorriso da minha Sara. Quase 10 anos de gente que parecem muito mais, de tanta sensibilidade, inteligência, calma e racionalidade. É morena, ao contrário da irmã, e muito determinada também, mas de um modo diferente. Apetece ouvi-la falar, e apetece ensinar-lhe tudo o que quer aprender, porque sabe escutar. A minha Sara emociona-se facilmente e a lagriminha que lhe surge ao canto dos olhos arrasta com ela as nossas próprias lágrimas. Fica sem fala, sente-se que está a sentir, e é por isso que gostamos tanto dela. Desde sempre. Ela é a minha menina. E eu sou a tia dela.

As meninas dos meus olhos - I




São azuis. Um azul transparente, às vezes acinzentado, como os do pai. Adivinho-lhes rugas precoces, de tanto sorrirem. Nela, ao contrário da irmã, são os olhos que sorriem. Mal nasceu, já se percebia a transparência na cor, a limpidez do azul, e apaixonámo-nos logo por eles. Por eles e pelo carácter determinado e vivo, pelo espírito desafiador de regras. É como eu, a minha Marta.

2005/09/18

Ja estou com saudades


Foi com esta vista diária que passei a última semana das minhas férias. Bem, não era igual todos os dias, como nada é, e nunca mais será, porque é impossível repetir-se, por mais que queiramos. No entanto, o que fica é o que é realmente importante. E ficam uns dias de paz e sossego, de boa comida, de bons passeios e, sobretudo, de boa, de óptima, de excelente companhia. Obrigada, obrigada, obrigada, uxka e companhia (e não se livram de uma nova visita).

2005/09/07

Para a próxima, trago palas.

O que é que vocês faziam se, ao viajar de avião, apanhassem com os seguintes companheiros de viagem:

à minha direita, do lado onde a vista era melhor, o casal gay mais liberal e apaixonado do mundo;
à minha esquerda, o casal straight espanhol mais antipático do mundo;
à frente, as costas da cadeira da frente, como é óbvio?

Podiam tentar ler, como eu tentei, mas a vista lá fora até que era tentadora.
Podiam tentar dormir, mas entre descolar, comer um snack e aterrar, sobraram 20 minutos de viagem.
Podiam ir 10 vezes seguidas à casa de banho, para variar de cenário, mas o corredor estava interrompido pelos carrinhos da comida e as casas de banho sempre ocupadas.
Podiam simular um ataque de claustrofobia, só passível de ser minimizado com um lugar de janela.

Para a próxima, trago umas palas de reserva, ou tomo dois Xanax. Vista por vista, antes olhar para dentro, e sempre saio do avião ao colo.

Já agora, aproveito para dizer que toda esta experiência passou para segundo, ou terceiro, ou mesmo último plano ao reencontrar os meus amigos aqui. E uma vista infinitamente melhor.