2006/04/05

Irreversibilidade

No dia em que comecei a trabalhar, acabada de sair da escola, passaram-me para as mãos um trabalho importantíssimo: escrever uma carta com apenas 3 linhas de texto, para além do destinatário e da assinatura do remetente. É canja, pensei, sem saber que para além da folha A4 convencional, esta era acompanhada por 3 cópias em papel fininho, tipo vegetal, intercaladas por folhas de papel químico. Pois é, a canja azedou, e as tais 3 linhas transformaram-se numa epopeia de um dia inteiro. Ora não estava centrado na página, o que era difícil de calcular antes de tirar o papel da máquina ou, então, quando finalmente achava que o trabalho estava perfeito, à custa de fita correctora e fotocópia do original, os erros e manchas da passagem da borracha nas cópias a químico, continuavam lá.

É assim também com o que dizemos. O que é dito uma vez, não pode ser desdito. Podemos retractar-nos, voltar atrás, pedir desculpa, não pedir desculpa, passar a borracha, mas tudo o que dissemos fica. E o que escrevemos fica ainda mais. É por isso que é tão difícil isto de escrever. Um erro, um só erro, marca-nos e deixa marcas.

Quando apenas se diz algo, ainda há a esperança de que a erosão do tempo mude as formas às palavras, aligeire o insulto, modere a ofensa, pois a memória é falível e bondosa. Mas quando se escreve, não. Está lá, preto no branco, chegando a ser vermelho gritante quando o disparate é grande. A não ser que se destrua, não se pode retirar, não se pode apagar sem deixar vestígios.

Não é possível resgatar uma carta que seguiu pelo correio, não se pode interromper o caminho a um e-mail enviado, é pouco provável conseguir apagar um post que nos desvenda a vida antes que este seja lido por alguém que depois reclama a sua reposição.

Seja como for, comigo é assim. Está dito, está dito. Depois é assumir, sem remorso ou ressentimento. Se me arrependo do que digo? Às vezes sim, mas não retiro. Explico-me, desculpo-me se achar que devo, tento reparar o erro, se errei. Mas não volto as costas, não fujo, não minto, não dou desculpas esfarrapadas.

E deve ser por isso que me sinto só num mundo em que o disfarce, a dissimulação e hipocrisia reinam. Seja, se é assim que eu acho que devo ser.

Só faltam 22 dias. Quanto ao post retirado, regressa amanhã.

1 comentário:

Uxka disse...

É, a palavra é uma arma poderosa, para o bem e para o mal. E quando bem utilizada, como aqui, sá um gozo do caraças.
Beijo