2005/11/29

Vá-se lá ser copy de uma freguesia destas.

Quando comecei a trabalhar em publicidade, há dezoito anos, como secretária, dei de caras com um mundo desconhecido que me fascinou. Cedo se tornou difícil manter-me sossegada no meu lugar no Dep. de Contacto, o lado sério e responsável da Agência, para vezes sem fim me irem buscar pelas orelhas ao Dep. Criativo, decididamente com muito mais graça. Tanto andei que fui considerada incapaz para as funções e despachada, em fim de carreira naquela empresa, para o dito Criativo (onde fiquei mais um ano e meio, contrariando as piores previsões).

O que eles foram fazer. E eu também, porque mal sabia o que estava para vir. Dali até chegar a copy, foi um processo que levou apenas cerca de 4 anos e duas outras agências. Comecei na altura do boom da publicidade, em que a agência (a terceira, neste caso) ditava as regras junto dos clientes e era um modelo a seguir pelas restantes do mercado. E escusado será dizer que, no auge económico da época, tudo era possível. Orçamentos milionários, ordenados fabulosos, campanhas mirabolantes. E tudo corria bem, porque havia dinheiro e as campanhas traziam retorno aos clientes.

O dinheiro implicava, igualmente, bons profissionais nas agências, escolhidos a dedo, e bons profissionais do lado do cliente. Tudo corria sobre rodas. Os briefings eram claros, concisos e directos ao assunto. Queremos vender X, da forma Y, com base na estratégia Z. E lá íamos nós à procura da melhor ideia para responder ao pedido. Com bases concretas para trabalharmos, que o trabalho era muito e não permitia perdas de tempo. O trabalho saía, era, em geral, aprovado com umas poucas alterações, finalizado e entregue.

Em tempos de crise como o actual, parece ter-se perdido, a par com o dinheiro, o respeito pelo trabalho da agência. O cliente quer, pode e manda, e fá-lo a qualquer hora do dia, sem se preocupar se há ou não outros trabalhos em curso de outros clientes. As agências, sob a constante ameaça de perderem mais um cliente, tudo fazem para o manter, o que resulta no caos actual.

O cliente sabe que ver vender X, mas também quer vender A e B ao mesmo tempo para poupar dinheiro, sendo que a forma de vender X entra em confronto directo com as formas de vender A e B, pelo que o esforço para encontrar uma ideia que consiga reunir todas elas é elevado ao cubo. E tudo isto sempre para ontem, porque só nos lembrámos agora de que temos que ter isto no ar para a semana.

Sempre de camisola vestida, porque afinal são os clientes que nos pagam ao fim do mês, lá fazemos das tripas coração e rins e fígado, rebentando com o estômago pelo caminho, e cumprimos o prazo. O trabalho vai ao cliente e volta, mas não como antigamente. “Afinal havia outra” é uma constante, com o briefing a mudar radicalmente, já para não falar do mudem lá a palavra porque esta não soa bem à senhora do dep. técnico que estava na reunião, ou o nome do produto porque não está parecido com o da concorrência, apesar de não existirem muito mais alternativas. Tudo isto com a agravante de o prazo ter sido reduzido de três dias para um.

O processo repete-se e desta vez volta, ainda em fase de maquete, para mudar a cor de fundo das peças todas, porque é vermelho e o cliente é do FCP e embirra, já agora ponham rosa, que não fica bem com o resto (mas também com os computadores é fácil e rápido mudar), e vejam lá não se esqueçam dos ponto e vírgula no fim dos bullets… um sem fim de alterações que têm que voltar ao cliente para serem de novo aprovadas.

Criativos, accounts e produtores são levados à exaustão, entre reuniões e pré-reuniões, e briefings, re-briefings e orçamentações, enquanto o omnipotente cliente (com algumas excepções) vai olhando para o dinheiro que gasta com a agência e pensando que, já que pago, eles têm que fazer o que eu quero. Como eu quero.

Vá-se lá ser copy de uma freguesia destas.

4 comentários:

Maria disse...

Em todas as profissões se vai notando cada vez mais essa atitude. Seja pelo dinheiro, pelo poder, pela pressão de perder o lugar, e as contas por pagar... Vai deixando de existir autonomia e independência técnicas e passamos a obedecer desenfreadamente a tudo e a todos. às vezes sem lógica, sem razão... Só porque quem pode, manda (ou quem paga manda...)Pode ser que as coisas se alterem, se é verdade que a História é cíclica...

Uxka disse...

Poi zé. A velha máxima do "cliente tem sempre razão", principalmente se falta o dinheiro nos nossos bolsos e sobra nos deles. É máxima que nunca me convenceu, nem no tempo das vacas gordas.
Beijos.

S. disse...

ó-ó!
:P

isabel mendes ferreira disse...

...a publicidade é um mundo cÃO...(FALA UMA EX-COPY" ABRAÇO.