2005/11/21

Um estranho sentido de justiça

E então disse-me que não era justo eu cumprir a lei. Uma lei que eu não tinha exigido, sobre a qual não me tinha informado, que me conferia um direito diferente do direito dos outros. Simplesmente, não era justo.

Há já muito tempo que esta pessoa, com quem convivo há algum tempo e de quem já pensei ser amiga, me confronta com coisas assim. Chegou a dizer-me, em certa altura, que não era justo eu receber devolução de IRS apenas porque sabia preencher os impressos. Não era justo para quem não os sabia preencher.

Mas se fosse só ela, estávamos nós bem. Hoje em dia, a justiça é vista assim. Se tu tens, eu também tenho que ter, mesmo que não tenha direito. E se eu não tenho, tu também não podes ter. É por isso que se rouba a torto e a direito para comprar ténis, calças de marca e telemóveis última geração. É por isso que se risca o carro topo de gama do vizinho. É por isso que as pessoas se endividam para ir de férias para o mesmo sítio que o colega de trabalho, ou então para comprar um qualquer objecto que seja digno de inveja, com o qual não se pode andar à vontade porque foi muito caro. É por isso que se critica quem nos faz sombra por ser mais eficiente e popular. É por isso que apostamos na imagem e na simpatia como meio de subir na vida, dissimulando as nossas reais dificuldades.

A minha justiça não se obtém a qualquer custo. Faz-se por merecê-la, lutando, cumprindo e, fundamentalmente, sendo honesto. A minha justiça impede-me de lhe responder que não é justo eu ter conseguido o que tenho à minha própria custa, sem cunhas, sem ajudas, sem qualquer tipo de empurrão. Que não é justo eu chegar a casa e não ter ninguém para me receber. Que não é justo eu não poder contar com ninguém. Que não é justo faltar-me tanto do que me faz falta, e que nada tem a ver com dinheiro.

Que a vida não é justa, todos nós sabemos. Todos deveríamos poder ser infinitamente felizes, mas nunca conseguimos, porque enquanto olhamos para a vida dos outros, nos esquecemos de avaliar a nossa e tudo o que ela tem de bom.

Depois de escrever isto, passei por acaso pelo Charquinho e dei com A Posta Num Pecado Mortal, que, a meu ver, tem tudo a ver.

2 comentários:

Maria disse...

A inveja, a cobiça, são talvez os sentimentos mais pobre e medíocres que alguém pode ter. E em relação a tudo. Há quem inveje até a forma como o cabelo te cai na testa...Acho que esses seres ainda não atingiram o que realemnte nos faz falta, como ter alguém para nos receber...Obrigada por partilhares um dos verdadeiros significados da vida.

shark disse...

E eu agradeço a referência ao meu texto, amiga.
Realmente tem tudo a ver com o teu, na mensagem implícita.